Entre o mito e a história: Alexandre, o Grande
Alexandre da Macedônia, mais conhecido como Alexandre – o Grande, tornou-se um dos personagens mais icônicos de diferentes culturas. Mesmo com pouca idade, governando um reino relativamente pequeno, conquistou inúmeras terras, inclusive impérios maiores, em um curto espaço de tempo.
Consigo, ele sempre carregava três objetos: um punhal e uma caixa onde guardava um manuscrito da Ilíada — poema épico grego que narra episódios da Guerra de Troia, especialmente a ira de Aquiles. O punhal representava intensamente a força para a guerra, enquanto a caixa preservava seus ideais e o mito que o inspirava.
Alexandre, pode ser visto como a ligação entre mito e história, especialmente na maneira como um mito influenciou a formação de sua persona e de suas ambições. Suas conquistas, ao longo de sua história, o transformaram em mito, perpetuando sua influência sobre o comportamento de outras pessoas e gerações.
Pode-se dizer que o mito influenciou na construção de outro mito no caso de Alexandre, pois é o mito inspirando a história e a história se tornando mito. Embora repetitiva, a frase anterior representa exatamente o que é mito: contar e recontar histórias. Neste caso, Alexandre revive a Ilíada e cria O Grande, pois, certamente, a crença no mito inspirou seus passos que, inconscientemente, o transformou em mito.
Um mito, devemos lembrar, é um evento que – em certo sentido – ocorreu só uma vez, mas que também ocorre o tempo inteiro.
(Karen Armstrong. Breve História do Mito)
Carregar a Ilíada consigo era, para Alexandre, o equivalente a carregar a Bíblia nos dias atuais. Enquanto a Ilíada moldava seu modo de agir e pensar, a Bíblia influencia, até hoje, grande parte do comportamento da sociedade contemporânea, especialmente no Ocidente. No entanto, também existem textos equivalentes no Oriente, tão antigos quanto, que determinam, segundo a interpretação de seus leitores, normas e princípios que orientam a vida em sociedade.
São textos antigos que, pela concepção de fé e pelo uso como guias de conduta — como uma bula — tendem a afastar a ideia de mito. Quando se vive um mito, tende-se a aceitar aquela história como verdade absoluta e incontestável. A fé é o princípio condutor do mito; contudo, a fé frequentemente rejeita reconhecer a história bíblica como mito, uma vez que o mito admite variações e diferentes interpretações.
A narrativa se inicia na oralidade, pois contar histórias antecede a capacidade do ser humano de transformar palavras em símbolos. O registro das histórias acontece posteriormente, de diferentes formas.
Grande parte da sociedade ocidental vive e dedica sua vida em função de textos que, acredita-se, foram transmitidos por inspiração divina a diversos autores. Esses textos deram origem a dezenas de livros, cuja junção é chamada de Escrituras, hoje conhecidas como Bíblia.
Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal. Porque jamais uma profecia foi proferida por efeito de uma vontade humana. Homens inspirados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus.
(2 Pedro 1:20-21)
Nesse sentido, a própria escrita da Bíblia pode ser compreendida como um mito, no sentido original do termo: uma narrativa que, aceita pela fé, molda realidades, comportamentos e estruturas sociais.
Neste contexto, seria Sócrates um ser celeste, cuja seus ensinamentos vêm de seus discípulos, em especial Platão, já que o próprio Sócrates nunca deixou escritos? Esta é apenas uma pergunta retórica para refletir como a filosofia, a fé que contesta a crença, ganhou força após a morte do principal condutor de um campo de estudo que busca compreender a realidade da humanidade.
Seguindo ainda na dimensão da fé, mas agora aproximando a mitologia grega da contemporaneidade, a astrologia também poderia ser considerada um mito grego. Neste caso, o comportamento humano seria moldado em função do movimento dos astros, crença profundamente ligada à tradição grega de que os corpos celestes representavam manifestações divinas.
Entretanto, no caso da astrologia, o mito não direciona diretamente como o ser humano deve se comportar, mas busca explicar por que cada indivíduo se comporta da maneira que se comporta e por que determinados eventos acontecem. É o mito como consequência e não como base — ou quase. Afinal, dicas de comportamento são oferecidas conforme a interpretação dos astros, estabelecendo um livre-arbítrio condicionado às “influências” celestes.
Observa-se, assim, que histórias e mitos têm grande poder de influência na construção de pessoas e sociedades, e que a tradição de contar e recontar histórias tende a torná-las ainda mais fortes. Narrativas inspiram o modo como as pessoas se estruturam e formam suas verdades. Novas histórias e mitos podem, ainda, transformar, revolucionar ou remodelar desde pequenos grupos até grandes sociedades.
A Ilíada, a filosofia, a astrologia e tantas outras formas de compreender o mundo podem se tornar códigos de conduta. Cada indivíduo pode ter sua própria “Bíblia” para apoiar suas ações em um mundo repleto de perguntas e poucas respostas.